O agravamento do conflito no Oriente Médio, com os Estados Unidos atacando instalações nucleares do Irã e a possibilidade de uma guerra direta entre Israel e Irã, trouxe novos riscos para a economia global e, consequentemente, para a América Latina.
A análise é do JPMorgan, que vê possibilidade de pressões inflacionárias em países importadores de petróleo e de algum alívio fiscal nas nações exportadoras. Embora o conflito esteja geograficamente distante, seus efeitos econômicos podem ser sentidos em países como o Brasil, especialmente via preço do petróleo.
Segundo o banco americano, quando a guerra entre Rússia e Ucrânia começou, os preços das commodities subiram de forma abrupta, levando os bancos centrais latino-americanos a apertarem a política monetária acima do inicialmente projetado. A mesma dinâmica pode se repetir agora, com a escalada no Oriente Médio.
Se o preço do petróleo permanecer nos níveis atuais, cerca de 17% acima da projeção-base do Brent, que é de US$ 65 o barril para o fim deste trimestre, o choque para a América Latina seria considerado moderado. No entanto, uma escalada mais severa, como o fechamento do Estreito de Ormuz, poderia gerar movimentos de aversão ao risco, com desvalorização das moedas locais e pressões inflacionárias generalizadas.
O JPMorgan calcula que, para o Brasil, cada aumento de 10% no preço do petróleo gera uma melhora de 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB) pela conta corrente e de 0,2% no saldo fiscal, por conta do aumento das receitas públicas ligadas às exportações de energia. Por outro lado, esse mesmo aumento pressiona a inflação.
Pelos cálculos do banco, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) sobe cerca de 0,2 ponto percentual a cada 10% de elevação do petróleo, considerando o peso da gasolina, do etanol e do diesel no índice.
Os economistas do banco dizem também que o efeito sobre o PIB não é direto e depende de vários canais: de um lado, há o aumento das exportações e da arrecadação, que pode ser convertido em mais gastos públicos; de outro, há perda de renda real da população, que gasta mais com combustíveis. Na média, o JPMorgan estima que o PIB cresce 0,1 ponto percentual a mais a cada choque desse tipo.
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A XP Investimentos compartilha visão semelhante sobre os riscos atuais. Caio Megale, economista-chefe da corretora, disse no programa Morning Call da XP que a entrada dos Estados Unidos no conflito adiciona mais pressão sobre o preço do petróleo, que já havia subido nas últimas semanas.
Megale afirmou que o principal risco no curto prazo é o inflacionário, uma vez que o petróleo tem peso relevante nos índices de preços em diversos países. Ele lembrou que, no Brasil, a recente redução do preço do diesel pela Petrobras (PETR4) ajudou a aliviar as projeções de inflação. Mas esse movimento pode ser revertido caso o petróleo continue subindo.
Nos Estados Unidos, o aumento do preço do petróleo pressiona o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que vive um momento decisivo sobre quando iniciar cortes na taxa de juros. “A gente não sabe ainda a extensão dos problemas, não sabe reação do Irã ao ataque (dos Estados Unidos ao país neste final de semana)”, comentou.
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Para o economista da XP, um risco adicional surge se houver uma tentativa de mudança de regime no Irã, como chegou a ser sugerido pelo ex-presidente Donald Trump. “Historicamente, nos momentos em que há uma mudança prolongada de regime em um importante produtor de petróleo, o preço sobe mais e permanece elevado por mais tempo”, avaliou Megale.
Diante desse quadro, ele entende que a melhor estratégia dos bancos centrais é adotar uma postura de espera, sem movimentos bruscos, até que os preços das commodities e os desdobramentos geopolíticos se acomodem.
A XP e o JPMorgan alertam que, na próxima semana, os indicadores de preços devem começar a mostrar sinais mais claros de desaceleração da inflação, com queda nos núcleos de bens industriais e serviços. Ainda assim, o mercado de trabalho deve permanecer apertado, com nova redução da taxa de desemprego, e o déficit em conta corrente pode aumentar para 3,3% do PIB.
Outros efeitos
Mas os efeitos não ficam restritos à economia real. Pressões sobre os combustíveis tendem a ter efeito também sobre a política. O banco lembra que situações semelhantes, como os picos dos combustíveis em 2022 e no início de 2023, geraram aumento das demandas por controle de preços, renúncia fiscal e medidas para aliviar a alta nas bombas, com impactos diretos sobre a popularidade dos governos.
Do lado da política monetária, o Banco Central (BC) decidiu elevar a Selic em 25 pontos-base (bps) na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), indicando que esse movimento foi isolado e que o ciclo de alta está encerrado.
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A taxa básica de juros passou a 15% ao ano, e a projeção do J.P. Morgan é que ela permaneça nesse nível até o fim de 2026, com possíveis cortes a partir de dezembro. A decisão do BC foi considerada dividida internamente, refletindo a necessidade de calibrar o discurso para não antecipar cortes, em linha com o que apontavam os preços no mercado e o boletim Focus.
O comunicado da autoridade monetária trouxe uma mudança relevante na linguagem. A expressão “manutenção dos juros por um período prolongado” foi substituída por “um período muito prolongado”, sugerindo um cuidado ainda maior em sinalizar que não há cortes no curto prazo. O próprio modelo do BC indica que, mesmo com cortes só a partir de dezembro, a inflação em 2026 deve permanecer acima da meta, em 3,6%.
Projeções
O JPMorgan projeta movimentos distintos na política monetária e fiscal de vários países da América Latina nas próximas semanas, com atenção para o México, onde o Banco Central (Banxico) deve reduzir novamente a taxa básica em 50 pontos-base, para 8%.
A instituição sinaliza, porém, que os próximos cortes devem ser mais moderados. A inflação continua acima da meta, enquanto a atividade econômica já mostra sinais de retração. Também começam a pesar nas discussões internas as decisões de política monetária dos Estados Unidos, especialmente a taxa definida pelo Federal Reserve (Fed).
Na Argentina, a disciplina fiscal segue sustentando o programa econômico. Até maio, o superávit primário acumulava 0,8% do PIB, enquanto o saldo nominal ficou positivo em 0,3% do PIB. O JPMorgan avalia que o governo terá que depender do crescimento das receitas para manter esse equilíbrio, já que há pouco espaço para novos cortes de gastos.
No setor externo, o superávit comercial chegou a US$ 1,9 bilhão no acumulado do ano, mas já apresenta sinais de redução devido ao aumento das importações, favorecido pela valorização do peso argentino e pela recuperação econômica, além da queda nas exportações.
O Banco Central do Chile manteve a taxa de juros em 5%, decisão unânime, mas deixou claro que cortes estão no radar. A inflação segue em linha com as projeções, com os riscos de alta moderados. A expectativa é que a taxa se mova gradualmente para o intervalo neutro real, estimado entre 0,6% e 1,6%, com projeção de encerramento do ano em 4,5% e de 4,25% no primeiro trimestre de 2026.
Na Colômbia, a decisão do governo de acionar a cláusula de exceção da regra fiscal (conhecida como fiscal rulexit) levou a uma revisão das projeções fiscais, de inflação, crescimento e juros. O JPMorgan estima que o déficit será cerca de 3 pontos percentuais maior em 2025 e 2026. O crescimento foi ajustado para 2,6% este ano e 2,5% em 2026, com inflação mais alta, estimada em 4,6% no final de 2025 e 4,3% em 2026.
No Peru, a atividade econômica avançou 0,4% em abril na comparação mensal dessazonalizada, após queda de 0,9% em março, puxada pela indústria. A expectativa é de que o segundo trimestre apresente crescimento abaixo do potencial, rompendo uma sequência de cinco trimestres com desempenho acima desse patamar.
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No Equador, o superávit comercial acumulado até abril alcançou US$ 2,8 bilhões, o maior desde 1990, impulsionado pela balança não petrolífera. A previsão para este ano é de superávit de US$ 5,7 bilhões na conta corrente, mesmo com recuo das exportações de petróleo.
No Uruguai, o PIB cresceu 2,4% no primeiro trimestre, puxado por consumo e investimento, mas o ritmo deve enfraquecer no segundo semestre. Na Costa Rica, o Banco Central (BCCR) manteve a taxa em 4%, mas passou a sinalizar maior disposição para cortes, diante da revisão para baixo do crescimento e da inflação abaixo da meta.
Em contrapartida, na República Dominicana, o Banco Central (BCRD) iniciou um processo de afrouxamento monetário, não pela redução da taxa de juros, mas pela liberação de liquidez. Foram injetados DOP 51 bilhões (peso dominicano) via redução do compulsório, destinados a setores produtivos, além de outras medidas que somaram DOP 30 bilhões. A expectativa é de que os cortes na taxa comecem no segundo semestre, após a redução das taxas interbancárias, que subiram de 10% para 13,5% nos últimos meses.
Já no Panamá, o Produto Interno Bruto desacelerou em abril, afetado pelos protestos sociais, com queda de cerca de 2% na comparação mensal dessazonalizada e avanço de 4,2% na base anual. A projeção é de crescimento próximo de zero em maio, com efeitos também sobre a arrecadação fiscal.
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