Em 1º de agosto, pouco depois de o Departamento de Estatísticas de Trabalho (BLS) divulgar um relatório de emprego mais fraco do que o esperado, o economista conservador E.J. Antoni participou do podcast “War Room”, de Steve Bannon.
“Já colocamos alguém nosso no BLS?”, perguntou Bannon. “Um republicano MAGA, que o presidente Trump conheça e confie, já está comandando o Departamento de Estatísticas de Trabalho?”
“Não, infelizmente ainda não chegamos lá”, respondeu Antoni, acrescentando que Erika McEntarfer, então chefe do órgão, era “incompetente”.
Horas depois, Trump demitiu McEntarfer, acusando-a, sem apresentar provas, de manipular os números de emprego contra ele. Na segunda-feira seguinte, anunciou que indicaria Antoni para substituí-la.
“Nossa economia está em expansão, e E.J. garantirá que os números divulgados sejam HONESTOS e PRECISOS”, escreveu Trump em sua rede Truth Social.
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Em entrevista à Fox News Digital, E.J. Antoni argumentou que a metodologia do departamento, bem como sua modelagem econômica e suposições estatísticas são fundamentalmente falhas
Economistas de diferentes correntes reagiram com preocupação à indicação — que ainda precisa ser aprovada pelo Senado — alertando para o risco de politização de um órgão historicamente reconhecido por apresentar dados objetivos sobre emprego, inflação, salários e outros indicadores.
“Já participei de vários programas com ele e fiquei impressionado com duas coisas: sua incapacidade de compreender conceitos básicos de economia e a rapidez com que adotou o MAGA”, escreveu no X Dave Hebert, economista do conservador American Institute for Economic Research. “Só espero que o Senado barre isso.”
A escolha de Antoni, 37 anos, foge ao perfil habitual para comandar o BLS, vinculado formalmente ao Departamento do Trabalho, mas com longa tradição de independência. Os comissários anteriores geralmente tinham décadas de experiência no governo ou na academia.
Antoni tem doutorado em economia pela Northern Illinois University e construiu praticamente toda a carreira em think tanks conservadores, mais recentemente na Heritage Foundation, onde atua como economista-chefe. Seu trabalho se concentra em temas fiscais, como impostos e Previdência Social, e não em questões trabalhistas e macroeconômicas, foco principal do BLS.
Economistas apontam que a falta de experiência específica não é, por si só, um problema. William W. Beach, que dirigiu o órgão no primeiro mandato de Trump, também veio de instituições conservadoras como a Heritage Foundation e, apesar das críticas iniciais, foi elogiado por condução apartidária.
O que preocupa, segundo especialistas, é o histórico de Antoni de distorcer estatísticas econômicas para sustentar posições partidárias. Há exemplos de interpretações equivocadas de dados que, se aprovado, passará a supervisionar. Em um caso, citou o aumento de pessoas fora da força de trabalho sem considerar o envelhecimento da população; em outro, demonstrou desconhecer que o índice de preços de importação do BLS não inclui o efeito de tarifas.
“Ele demonstra ou completo desconhecimento dos dados e princípios econômicos, ou disposição para tratar o público com desprezo e induzi-lo ao erro”, disse Kyle Pomerleau, economista do American Enterprise Institute.
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A Casa Branca afirmou que Antoni “restaurará a confiança dos EUA nos dados de emprego” e que sua “ampla experiência como economista” o prepara para produzir informações precisas para empresas, famílias e formuladores de políticas.
Antoni é presença frequente na Fox Business, Newsmax e outras redes, onde elogia o governo Trump e defende seus resultados econômicos. Para Pomerleau, esse tipo de atuação é aceitável em cargos políticos, mas não para comandar um órgão de dados explicitamente apartidário.
Antes de ser indicado, Antoni já havia criticado o BLS, sugerindo que o órgão “suspendesse a divulgação dos relatórios mensais de emprego” por considerá-los pouco confiáveis. Esses relatórios são um dos principais indicadores usados por investidores e pelo Federal Reserve.
A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse na terça-feira que a intenção continua sendo manter as divulgações mensais.
Segundo economistas, politizar o BLS é arriscado porque dados precisos são essenciais para decisões no setor público e privado. O Fed usa as estatísticas para definir juros; a Previdência Social, para calcular reajustes anuais; o IRS (Receita Federal dos EUA), para ajustar faixas de imposto; investidores, para gerir carteiras; e instituições de ensino, para orientar estudantes sobre carreiras.
“Essas estatísticas não existem para servir a um presidente ou a um governo”, disse Pomerleau. “São dados essenciais à formulação de políticas públicas e privadas. Não se pode brincar com isso por interesse partidário.”
Especialistas rejeitaram a hipótese de que McEntarfer tenha manipulado dados, lembrando que eles são produzidos por servidores de carreira, que permanecem por diferentes governos. O comissário só tem acesso aos números após sua finalização.
Pelos mesmos motivos, muitos duvidam que Antoni consiga alterar dados de imediato, mesmo que quisesse. “No curto prazo, não acredito que ele vá manipular as estatísticas em benefício de Trump”, disse Scott Lincicome, do Cato Institute. “Há profissionais altamente qualificados e processos robustos.”
No mercado financeiro, que depende do BLS para orientar decisões, a escolha de um perfil ideológico preocupa, mas alguns analistas preferem aguardar. “Ele tem um viés político forte, mas não acho que seja fundamentalmente desonesto”, disse Preston Caldwell, economista-chefe para EUA na Morningstar.
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Ainda assim, economistas alertam que um comissário pode influenciar os dados ao longo do tempo, seja por mudanças metodológicas pouco transparentes, seja por substituição de quadros. Eles prometem acompanhar sinais de alteração.
Stephen Moore, da Heritage Foundation, que recomendou Antoni a Trump, disse que o economista não vai manipular dados. “Ele será julgado pela confiabilidade e precisão dos relatórios, e não vai fraudar porque isso seria rapidamente exposto”, afirmou.
Para alguns, porém, o dano à credibilidade já está feito. A demissão de McEntarfer logo após um relatório fraco reforçou a desconfiança de parte da população sobre a independência dos números.
“A única forma de reduzir o temor de viés partidário seria indicar alguém com histórico sólido de análise apartidária ou até crítico a Trump, e ele fez o oposto”, disse Lincicome.
Beach, ex-comissário do BLS, afirmou que Antoni enfrentará mais dificuldade para provar independência, especialmente pelo contexto da demissão da antecessora. “Esse é um cargo mais complexo hoje do que era em 31 de julho”, disse. Ele contou que, ao ser indicado por Trump, deixou claro que protegeria o órgão de influência política. “Disse que me colocaria entre qualquer político e o BLS. Teriam que passar por mim.”
A primeira etapa de Antoni no Senado será na Comissão de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões. O presidente do colegiado, o republicano Bill Cassidy, apoiou a saída de McEntarfer e disse querer um comissário comprometido com dados precisos e imparciais. A senadora democrata Patty Murray, opositora na comissão, foi direta: “Qualquer senador que votar para confirmar esse operador partidário estará destruindo a integridade dos melhores dados econômicos e de emprego do país”.
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