Levou menos de uma semana — e uma derrota esmagadora para o reformista de livre mercado Javier Milei — para que o Morgan Stanley abandonasse sua visão otimista sobre a Argentina.
O banco de Wall Street, junto com rivais como Bank of America e JPMorgan Chase, havia aconselhado clientes a comprar títulos do governo antes de uma eleição local importante em Buenos Aires neste fim de semana, apostando que os tropeços políticos recentes do presidente já estavam precificados após as fortes vendas que atingiram os mercados financeiros do país nos últimos meses.
Na noite de domingo (7), veio a notícia de que o partido de Milei havia sofrido uma derrota esmagadora nas urnas — um sinal preocupante antes das eleições legislativas nacionais do próximo mês — e, na manhã de segunda-feira (8), as apostas otimistas haviam dado errado de forma espetacular.
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Os dados são de um levantamento da consultoria Elos Ayta, divulgado nesta terça-feira (9),
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Alguns dos títulos argentinos em moeda forte despencaram quase 7 centavos, para 55 centavos por dólar, na queda mais acentuada em dois anos, elevando o rendimento para 12,7%. O mercado acionário local caiu 13%, no pior tombo diário desde o início da pandemia. E, à medida que investidores globais corriam para vender, o peso argentino chegou a cair 7%, atingindo uma nova mínima histórica. Com o início do sell-off, o Morgan Stanley enviou uma nota a clientes informando que havia abandonado seu otimismo.
Os mercados argentinos se estabilizaram no início do pregão de terça-feira (9). Ações e títulos subiram levemente, enquanto o peso recuou mais 1%.
Mas a magnitude do tombo do dia anterior deixou claro: investidores estão cada vez mais preocupados que Milei, envolvido em um escândalo de corrupção, sofra uma derrota tão grande no pleito do próximo mês que fique impossibilitado de aprovar as reformas necessárias para consolidar os avanços obtidos na redução da inflação e no início da recuperação econômica. Para investidores acostumados aos altos e baixos da Argentina — país que já deu calote em sua dívida nove vezes —, um mergulho de volta a uma crise plena tornou-se um cenário plausível.
A turbulência de segunda-feira ressaltou o quanto o poder político de Milei foi abalado pelas denúncias de suborno envolvendo sua irmã e supostos pagamentos ilegais em troca de contratos governamentais na área farmacêutica — acusações negadas pelo governo. As denúncias mancharam sua imagem de reformista radical e outsider imune à política tradicional. Em um evento recente, manifestantes irritados chegaram a atirar pedras nele.
Embora já se esperasse uma derrota na eleição local, a dimensão da perda para a oposição peronista de esquerda — quase 14 pontos percentuais de diferença — surpreendeu investidores e alimentou especulações de que o presidente faria uma reforma ministerial para conter os danos. Milei disse estar iniciando uma “profunda autocrítica”.
Um astro do mercado
Economista libertário, Milei havia se tornado o queridinho de investidores globais ao implementar cortes profundos de gastos, reduzindo um déficit orçamentário inflado, e reformas pró-mercado para tentar reverter a situação da segunda maior economia da América do Sul. Sua “terapia de choque” começava a mostrar resultados: queda acentuada da inflação, superávit orçamentário inesperado e um acordo de US$ 20 bilhões com o FMI.
O resultado impulsionou fortemente os mercados argentinos, elevando as ações e proporcionando aos detentores de títulos em dólar um ganho de 136% desde sua eleição — atrás apenas de Líbano e Equador entre as dívidas de mercados emergentes acompanhadas pela Bloomberg.
Esses retornos alimentaram o otimismo de alguns estrategistas, que acreditam que a queda recente pode ser passageira.
Os estrategistas Luis Oganes e Jonny Goulden, do JPMorgan, reafirmaram na segunda-feira a recomendação de “overweight” (acima da média) para os títulos soberanos da Argentina, dizendo acreditar que Milei conseguirá salvar sua agenda de reformas e recalibrar “a estratégia política para corrigir erros”.
O Bank of America, que mantém recomendação “overweight” para a dívida argentina desde meados de 2023, também manteve a posição, alertando contra interpretações exageradas do resultado da eleição local. Ainda assim, seus estrategistas advertiram que investidores devem se preparar para resultados “menos favoráveis ao mercado” no próximo mês.
Segundo nota do Goldman Sachs, mesmo com alguns gestores reduzindo exposição após ganhos de três dígitos desde a posse de Milei no fim de 2023, a Argentina segue como posição “overweight” entre investidores institucionais e fundos de hedge.
Risco político e economia frágil
A dinâmica política agora aumenta as preocupações sobre a fragilidade da recuperação econômica às vésperas da eleição legislativa. O governo já vinha intervindo no mercado cambial para sustentar o peso e rolando dívida interna a taxas mais altas, o que ameaça pressionar a economia e o orçamento.
À medida que Milei se aproxima da metade do mandato, a votação legislativa será decisiva para saber se ele poderá manter o rumo econômico. Sua derrota em Buenos Aires ecoa a de Mauricio Macri nas primárias de 2019, que alimentou temores de fim das políticas pró-mercado.
Enquanto isso, a estratégia de estabilizar a moeda está se desfazendo. O peso tem rondado mínimas históricas desde agosto, apesar dos esforços do governo para reduzir a demanda por dólares, restringindo a liquidez dos bancos e intervindo diretamente no câmbio — medida que assustou ainda mais os investidores. Na segunda-feira, a moeda era negociada acima de 1.400 por dólar, aproximando-se do teto da banda definida pelos formuladores de política econômica.
Apesar do pessimismo, Milei prometeu intensificar seu plano econômico em discurso logo após o resultado em Buenos Aires, afirmando que os erros que levaram ao mau desempenho eleitoral vieram principalmente da frente política.
Na segunda-feira, Milei criou um grupo de trabalho para lidar com a crise. Mas, segundo dois integrantes do governo próximos ao presidente, que pediram anonimato, ele não pretende demitir ministros.
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