“Run, rabbit, run
Dig that hole, forget the Sun
And when at last the work is done
Don’t sit down, it’s time to dig another one”
Breath (In the Air) – Pink Floyd
A Kinea Investimentos, no seu último insight de nome “O lado oculto da Inteligência Artificial” fez uma série de analogias sobre a nova fase de expansão da IA com o magnum opus da banda britânica Pink Floyd, o álbum “The Dark Side of the Moon”, lançado em março de 1973.
Para isso, a gestora utilizou alguns dos principais hits do álbum como forma de encarar o lado oculto da revolução da IA e explorar o encantamento e otimismo inicial dos robustos investimentos, que levantaram dúvidas sobre uma possível bolha.
Por meio de 6 faixas entre as 10 que compõem o disco, os analistas traçam os seguintes paralelos:
‘On the Run’: OpenAI e a ansiedade do mercado
‘On the Run’ é uma faixa instrumental acelerada, que transmite sensação de urgência e ansiedade. Para a Kinea, ela traduz perfeitamente o papel da OpenAI na corrida da inteligência artificial.
Em poucos anos, a empresa saiu de um laboratório relativamente discreto para o centro do debate global. Com bilhões de dólares em aportes — especialmente da Microsoft —, a OpenAI mudou o ritmo da indústria desde o lançamento do ChatGPT e deu início a uma corrida frenética por modelos cada vez mais avançados.
O problema é que essa velocidade começou a gerar desconforto. A OpenAI assumiu compromissos de investir mais de US$ 1 trilhão nos próximos cinco anos. Um número gigantesco para uma empresa cuja receita anualizada ainda gira na casa de dezenas de bilhões de dólares.
A pergunta que o mercado faz é: como fechar essa conta? Em um ambiente competitivo, com gigantes como Google, Meta e xAI, além de inúmeras startups bem capitalizadas, será que a OpenAI consegue sustentar esse nível de investimento?
Aqui entra o “lado oculto”, segundo a gestora: o avanço da tecnologia não garante que os vencedores do futuro serão os líderes de hoje.
A Oracle sentiu isso na prática. A empresa virou “queridinha da IA” após anunciar um acordo de até US$ 300 bilhões em computação em nuvem com a OpenAI, mas parte dos ganhos se perdeu conforme surgiram dúvidas sobre a capacidade da parceira de honrar esses contratos.
A OpenAI pode decepcionar no curto prazo, mas isso não significa que a revolução vá parar. A corrida segue ‘on the run’ — talvez com trocas de piloto pelo caminho.
A Kinea também chama atenção para a dinâmica dos chips. Parte da recente vantagem do Google veio da eficiência de seus TPUs frente à geração Hopper da Nvidia.
Mas, com os novos chips da Nvidia entrando em fase de treinamento — especialmente para OpenAI e xAI —, uma nova virada pode acontecer já no primeiro trimestre do ano que vem.
Como diria Mark Twain, “as notícias da morte da OpenAI podem ter sido grandemente exageradas”.
‘The Great Gig in the Sky’: já existe um vencedor?
A faixa é marcada pelo vocal intenso de Clare Torry e costuma ser interpretada como uma entrega ao inevitável, cita a gestora. No mercado de IA, a pergunta é quase filosófica: já existe um vencedor anunciado?
Muitos investidores apontam o Google como esse candidato silencioso. Depois de ser tratado como um possível perdedor na corrida da IA, a empresa voltou ao centro das apostas.
Os argumentos são fortes. O Google tem um dos balanços mais robustos do mundo, gera dezenas de bilhões de dólares em lucro por trimestre e investe em inteligência artificial há décadas, lembra.
Além disso, possui talvez o maior acervo de dados do planeta, graças ao ecossistema que inclui buscador, YouTube, Gmail, Android, Maps e Drive.
Outro diferencial é a infraestrutura própria, coloca Kinea.
Desde 2015, o Google desenvolve seus TPUs, chips customizados para IA que já rivalizam com as GPUs da Nvidia. Isso permite escapar do chamado “imposto Nvidia”, cujas margens chegam a 80%, e operar com custo de computação até 40% menor.
Ainda assim, a Kinea pondera: nada está decidido. O céu da IA tem espaço para mais de uma estrela. A supremacia do Google será testada em breve, quando xAI e OpenAI apresentarem modelos treinados com os chips Blackwell da Nvidia. Se as leis de escala continuarem válidas, surpresas podem surgir.
‘Money’: investimentos em nuvem valem a pena?
“Money, it’s a gas”. O Pink Floyd ironiza a obsessão pelo dinheiro — e a frase se encaixa bem no atual ciclo de investimentos em IA, recorda. Nunca se gastou tanto com data centers, chips e infraestrutura.
O mercado, porém, começou a questionar se esse novo ciclo de investimentos em nuvem vai gerar retorno proporcional. Na primeira onda do cloud, Amazon, Microsoft e Google colheram receitas recorrentes e margens elevadas. Agora, há o receio de que as empresas estejam apenas alugando GPUs como commodity, sem capturar valor em software.
A Kinea vê o movimento como estratégico. A lógica seria aceitar margens menores agora para, no futuro, capturar valor nas camadas superiores, como bancos de dados e aplicações. O lado oculto do dinheiro investido é a aposta de que a IA ainda terá usos muito mais amplos do que os atuais — e quem construir a infraestrutura hoje pode colher frutos relevantes amanhã.
‘Time’: a vida útil dos chips da Nvidia
Em ‘Time’, o som de relógios lembra que o tempo é implacável. No mundo da IA, o debate gira em torno da vida útil das GPUs da Nvidia, diz a gestora.
Michael Burry levantou a suspeita de que as big techs estariam superestimando a durabilidade dos chips para diluir a depreciação e inflar lucros.
Segundo ele, a troca prática ocorre em dois ou três anos, e não em cinco ou seis, o que poderia superestimar os lucros do setor em até US$ 176 bilhões entre 2026 e 2028.
A Nvidia rebate. A empresa afirma que otimizações de software, via CUDA, estendem a vida útil dos chips. GPUs A100, entregues há seis anos, ainda operam em plena carga e seguem rentáveis.
Os dados de mercado corroboram essa visão: chips A100 continuam sendo alugados por mais de US$ 1 por hora, bem acima do custo operacional estimado. O lado oculto do tempo, portanto, está no equilíbrio entre adotar tecnologia de ponta e extrair valor máximo dos ativos já instalados.
‘Us and Them’: alavancagem financeira
A música fala de dois lados opostos — e, na IA, isso se traduz em estratégias bem diferentes, afirma a Kinea. De um lado, empresas que se alavancam para investir pesado. Do outro, companhias que usam caixa próprio e priorizam monetização clara.
A Oracle é um exemplo do primeiro grupo. Para bancar sua aposta em IA, emitiu US$ 18 bilhões em dívida e pode precisar levantar até US$ 100 bilhões adicionais. O mercado reagiu mal: os CDS da empresa dispararam, sinalizando aumento do risco percebido.
A Meta também entrou nessa categoria. Apesar da forte geração de caixa, decidiu investir agressivamente em IA, o que derrubou suas ações em 11% após a sinalização de gastos elevados em 2026 — reacendendo o fantasma do metaverso.
Na outra ponta, a gestora coloca que a Microsoft e Google financiam seus investimentos com caixa próprio e contam com canais de distribuição que aceleram a monetização. Para a Kinea, essa abordagem parece mais sólida no atual estágio do ciclo.
‘Eclipse’: o momento da IA
No grand finale do álbum, o Pink Floyd lembra que até a luz mais intensa pode ser momentaneamente ofuscada. Para a Kinea, é exatamente onde estamos na jornada da inteligência artificial.
Depois de um período de euforia quase sem limites, o mercado entrou na fase do escrutínio. As expectativas seguem altas, mas agora acompanhadas de cobranças por retorno, eficiência e disciplina financeira.
O lado oculto veio à tona. As empresas que atravessarem esse período de prova devem sair mais fortes. E, passado o eclipse, o sol da IA pode voltar a brilhar — talvez com ainda mais intensidade, desta vez sustentado por resultados concretos.